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Aprender no trabalho deixa de ser escolha e vira parte da rotina profissional

Educação corporativa ganha força em meio às transformações do mercado e se torna aliada no desenvolvimento de talentos, mas ainda exige equilíbrio entre responsabilidade individual e apoio das empresas
Em 19 de maio, o Ministério da Educação publicou o decreto nº 12.456, que restringe a educação a distância em cursos como Medicina, Direito e Psicologia. A medida reacendeu o debate sobre a qualidade da formação superior no Brasil. Fora das universidades, porém, avança o esforço das empresas para desenvolver internamente os próprios profissionais. Por exemplo, o investimento médio em treinamento e desenvolvimento (T&D) por colaborador cresceu 14% no Brasil, em 2024, atingindo R$ 1.222, segundo a 19ª edição do Panorama do T&D, da Associação Brasileira de Treinamento e Desenvolvimento (ABTD). Embora ainda distante da média dos Estados Unidos — cerca de R$ 6.673 por pessoa —, o dado reflete o reconhecimento crescente da capacitação como alavanca de inovação. A pesquisa de T&D mostra que muitas empresas já compreenderam que aprender no ambiente de trabalho deixou de ser um diferencial e passou a integrar, de forma inseparável, a rotina da produção. A urgência é ainda maior em setores como a indústria, que enfrentam dificuldade crescente para contratar profissionais qualificados. Segundo dados da Confederação Nacional da Indústria (CNI), mais de 80% das empresas relatam escassez de mão de obra preparada. A resposta tem sido incorporar o aprendizado ao próprio ritmo da operação, integrando desenvolvimento profissional às rotinas produtivas. “Hoje, não se trata mais de perguntar que tipo de cultura a organização quer promover, mas de entender qual é a cultura necessária para que ela continue existindo”, afirma Ana Paula Mazzeto, Gerente de Desenvolvimento Humano e Organizacional. Com 15 anos de experiência, ela acompanha de perto como a educação corporativa vem ganhando centralidade nas estratégias de gestão, sobretudo em empresas que precisam adaptar sua cultura às novas exigências do mercado. Em sua atual organização, uma operadora portuária com mais de um século de história, a missão é construir uma jornada de formação contínua, que respeite ritmos, conecte gerações e prepare o time para as mudanças que já estão acontecendo. Formar também é cuidar A cada novo processo de seleção, o padrão se repete. O currículo técnico ainda pesa, mas o que garante a permanência nas empresas é o comportamento no dia a dia. Competências como comunicação, resiliência e abertura ao novo passaram a ser tão decisivas quanto o domínio de ferramentas ou certificados. Ao mesmo tempo, manter-se atualizado deixou de ser um diferencial. “Profissionais que passam mais de três anos sem buscar aprendizado já são vistos com critério. O acesso está aí. Não é mais justificável ficar parado”, afirma Manu Mourão, headhunter e consultora com atuação no Brasil e no exterior. Mas ela reconhece que o caminho não é apenas individual. Há uma sobrecarga silenciosa sobre as organizações, especialmente em um momento em que outras instituições, como escolas e políticas públicas, nem sempre conseguem acompanhar a velocidade do mercado. “As companhias se tornaram espaços de desenvolvimento. E isso inclui ensinar habilidades técnicas, comportamentais, e também lidar com desafios que vão além do escopo profissional”, observa. Entre esses desafios está a formação de lideranças em um cenário de múltiplas gerações e expectativas diversas. Um líder hoje pode ter sob sua gestão um estagiário de 20 anos e um técnico de 60. “A inteligência emocional é cada vez mais exigida. Saber se comunicar, motivar e escutar virou parte da entrega”, diz Manu. Investir em desenvolvimento, com estratégia e conexão Nem toda capacitação oferece retorno imediato, mas deixar de investir costuma sair mais caro. O receio de preparar alguém e vê-lo sair ainda existe em muitas empresas. Para Manu Mourão, no entanto, manter um colaborador desatualizado e desmotivado representa um risco ainda maior. “A empresa que oferece oportunidades de aprendizado cria vínculo. E, se o conhecimento for aplicado durante o tempo em que a pessoa esteve ali, o investimento já teve retorno”, afirma. Diante de orçamentos mais enxutos e da dificuldade de reunir equipes inteiras longe da operação, muitas empresas têm apostado em soluções digitais como forma de ampliar o acesso ao conhecimento. Segundo a 19ª edição do Panorama do T&D, da ABTD, em 2024, 53% das ações de treinamento foram a distância. Um exemplo de plataforma é a Gemba Ensina, que oferece cursos sobre Lean, Six Sigma, logística, habilidades comportamentais e gestão da qualidade, com possibilidade de personalização dos conteúdos e trilhas específicas para cada função. Os cursos são curtos, aplicáveis e podem ser feitos no ritmo de cada profissional, o que facilita a adesão sem comprometer a rotina produtiva. Além da flexibilidade, o fator financeiro também pesa. “Em muitos casos, a capacitação digital custa uma fração do que seria um treinamento presencial”, afirma Vânia Batista, diretora do Gemba Group, que atua desde 2008 na transformação da indústria por meio da capacitação e da gestão enxuta. Digital com humanidade A escolha pelo digital vai além do preço. Trata-se de uma mudança de cultura, que acompanha o comportamento das novas gerações, o avanço das tecnologias e a necessidade de respostas mais rápidas. “Formação útil é aquela que resolve um problema concreto, com aplicação direta no trabalho. Isso é possível mesmo com recursos simples — desde que haja foco e intenção”, reforça Vânia. Ana Paula Mazzeto pondera, no entanto, que o conteúdo só ganha força quando encontra espaço para ser vivido no dia a dia. “Não basta disponibilizar uma plataforma. É preciso criar uma rotina em que o aprendizado seja visto como parte do trabalho. Isso começa no exemplo da liderança e no incentivo para que as pessoas queiram, de fato, aprender”, afirma. Ainda assim, nenhuma tecnologia substitui o papel das pessoas no processo. A escala vem do digital, mas o engajamento nasce da convivência, da escuta e da troca. Criar uma cultura de aprendizagem é tão importante quanto oferecer o conteúdo. “Ensinar também é um papel da gestão”, complementa Manu.

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