Não sou um psiquiatra de crianças de treze anos. Sou um psiquiatra de Adultos, que, por vias de minha formação como Psiquiatra Hospitalar, aprendi a atender outras faixas etárias. Esse é o motivo que andei recusando entrevistas sobre o assunto, sendo chamado de alguns nomes, como arrogante, por exemplo. Acho que uma forma de humildade é saber seus próprios limites, então não saio por aí falando sobre assuntos que tenho pouca expertise. Vejo filósofos pops e intelectuais ungidos metendo o bedelho nos mais diversos assuntos. Não fico muito à vontade no figurino.
Faço toda essa introdução para explicar que vou levantar questões sobre as crianças de treze anos porque muita coisa está acontecendo com nossa pré-adolescência que levanta questões e reflexões muito importantes. Esse texto busca ajudar na tarefa.
No ano passado uma menina de treze anos enforcou-se no banheiro de uma escola particular, em São Paulo, aparentemente por conta de uma contrariedade com colegas e direção. Nas últimas semanas, um menino de treze anos atacou e esfaqueou brutalmente professoras e colegas de uma escola pública, também em São Paulo, mas com eventos de imitação em outros lugares do país. As estatísticas revelam que, de 2010 para cá, o número de internações por autoagressões como cortes na pele em meninas entre dez e catorze anos foi multiplicado por dez no Reino Unido. O número de suicídios dobrou. Educadores, psicólogos, psiquiatras ficam balbuciando explicações recheadas de lugares comuns e trivialidades moralistas, mas ouço pouca gente tentando uma visão mais ampla do problema.
As gerações que viveram com smartphones, jogos online e Redes Sociais foram ficando mais presas no mundo virtual, saem menos de casa e tem menos amigos, tem menos o hábito de leitura e tem uma diminuição de capacidade de Foco e de Regulação Emocional. Os pais ou estão presos nesse sequestro virtual ou estão impotentes em enfrentar essa onda. Os chamados milennials estão chegando no mercado de trabalho e estão
sendo classificados como mais frágeis e mais despreparados para enfrentar dificuldades e resolver problemas. A tentativa de evitar que fracassem ou se frustrem criou justamente uma geração que tolera muito mal o fracasso e a frustração. Isso é o que já sabemos. E a nova fornada de jovens, chegando às portas da puberdade? Eles parecem um alvo muito fácil ao terrorismo virtual. Existe uma modalidade de assédio, chamado ‘Grooming”, em que meninos pré-púberes fazem contato com um “amigo” mais velho que ganha a sua confiança e passam a compartilhar de suas experiências e fotos. Com medo de ter confiscado seu celular, meninos e meninas escondem essa situação dos seus pais. O menino que esfaqueou e matou uma de suas professoras foi aplaudido por grupos de ódio que incitam as crianças contra “o inimigo”, que pode ser um professor, uma pessoa mais velha ou um grupo rival.
Vivemos num mundo em que as transições estão cada vez mais difíceis e acidentadas, e parece que a transição entre Infância e Adolescência está virando um ponto de atenção em especial. A aceitação pelos grupos e pelos pares se tornam quase vitais para esses jovens. Parecer mais velho, contar vantagem sobre façanhas sexuais ou iniciar o uso de drogas, que era algo que assustava as pessoas na adolescência, agora aparece em crianças que mal trocaram de voz ou iniciaram a tempestade hormonal da Adolescência. Esse é o quadro e, a partir daí que a sociedade precisa de um plano de ação. E o plano não é revistar mochilas ou prender pais negligentes. O plano é começar a preparar essa transição em crianças de nove e dez anos, com a criação de uma visão crítica e da percepção do lobo atrás do perfil fake. Em vez de dobrar a aposta da superproteção, é melhor dar instrumentos para perceber mentiras, identificar o discurso de ódio e a pressão pela sexualização precoce dessas crianças. Isso inclui trabalho cognitivo de exercício de Atenção/Foco e capacidades de leitura e jejum de celular e telas, para sair da rolagem de telas, uma droga que está criando mais e mais dependentes.
Eu sei: é uma luta inglória, como nadar contra uma maré gigante. Mas precisamos juntar gente afim de nadar.
*Marco Antonio Spinelli é médico, com mestrado em psiquiatria pela Universidade São Paulo, psicoterapeuta de orientação junguiana e autor do livro Stress - o coelho de Alice tem sempre muita pressa